Lídice da Mata destaca conquistas e desafios nos 90 anos da conquista do voto feminino

Nesta quinta-feira, 24 de fevereiro, o Brasil celebra 90 anos da conquista do voto feminino. O direito político ficou previsto no novo código eleitoral do governo provisório do então presidente Getúlio Vargas, em 1932, mas foi apenas dois anos depois que o voto feminino passou a ser previsto na Constituição. A conquista foi resultado, em grande parte, do movimento sufragista, onde mulheres de diversos países democráticos se reuniram para lutar pelo direito ao voto. Esse é considerado um marco no feminismo mundial. 

Em homenagem à data, a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) falou da importância do voto feminino e da participação das mulheres na política. A socialista destacou ainda os desafios a serem enfrentados para acabar com a violência de gênero nos espaços de poder e para aumentar a presença feminina nas esferas públicas. Importante força política no PSB, a deputada tem em sua longa trajetória política a luta pela igualdade de gênero. 

  1. No dia 24 de fevereiro serão comemorados 90 anos da conquista do voto feminino no Brasil. Quais foram as principais vitórias ao longo desse período em relação às mulheres na política?

Lídice da Mata – Em primeiro lugar é fundamental registrar que a luta das mulheres para conquistar mais espaços na política é árdua e de longa data. Em 24 de fevereiro de 1932 foi decretado o Código Eleitoral que, pela primeira vez, incluiu o direito de as mulheres votarem e serem votadas na legislação brasileira. Mas esta luta vem de antes, vem da história de mulheres como Nísia Floresta, que nasceu em 1810 no Rio Grande do Norte e, como professora e escritora, defendeu a emancipação das mulheres brasileiras por meio da educação. Foi também no Rio Grande do Norte que ocorreu o registro da primeira mulher eleitora do País, Isabel de Souza Mattos, em 1887, que conseguiu se alistar, mas foi impedida de votar. E o mesmo Rio Grande do Norte foi a primeira unidade federativa a implantar uma lei estadual reconhecendo o direito das mulheres ao alistamento eleitoral. Na Bahia, Leolinda Figueiredo Daltro  foi uma professora, sufragista e indigenista que lutou pela autonomia feminina. Em 1910, juntamente com outras mulheres, ela fundou o Partido Republicano Feminino e, em 1917, liderou uma passeata exigindo a extensão do direito ao voto às mulheres.

Antes de 1932, as duas primeiras mulheres votantes foram, em 1928, Celina Guimarães e Júlia Barbosa, mas seus votos foram invalidados pelo Senado da época. Depois de consolidado o sufrágio para as brasileiras, tivemos as duas primeiras eleitas em 1934: Carlota Pereira Queirós e Bertha Lutz.

Considero que entre as principais vitórias, ao longo desses 90 anos, está, em primeiro lugar, a histórica conquista das mulheres ao direito de votarem e participarem das eleições, resultado de muita luta das sufragistas brasileiras. Depois, gradativamente, a busca intensa pela conquista por maior representatividade nas Casas Legislativas em âmbitos municipais, estaduais e federal – ainda que gradativamente. Para isso, muito contribuiu a luta do Legislativo – em especial das legisladoras – para incluir cotas obrigatórias de participação nos pleitos, bem como a garantia de tempo na publicidade gratuita de rádio e televisão durante as campanhas eleitorais e o aumento dos recursos do Fundo Partidário. Uma luta de anos, que ainda tem muito chão pela frente. 

  1. Mesmo após todos esses anos, a presença feminina na política ainda é muito inferior à masculina. No Congresso, apenas 15% dos assentos são de mulheres, sendo que 51,8% da população brasileira é composta por pessoas do sexo femino. Quais são os entraves para aumentar a representatividade feminina nos espaços de poder?

Lídice da Mata – Já avançamos, mas há muito ainda a se conquistar: quando fui Deputada Federal Constituinte (1986-1988), éramos apenas 26 mulheres que integravam a chamada “bancada do batom”. Embora apenas 26 tivessem sido eleitas – de um total de 166 candidatas, na época este número representou um aumento de 1,9% para 5,3% na representação feminina no Parlamento brasileiro.  Em 2014, as mulheres ocuparam entre 6% e 10% das cadeiras da Câmara.

Já em 2018, houve um salto e as eleitas chegaram a 15% do total de cadeiras da Câmara e Senado. Isso foi resultado de uma série de fatores, principalmente a luta das bancadas femininas. Ainda assim, estes números são baixos: nas eleições municipais de 2020 para as Prefeituras, apenas 12% de mulheres foram eleitas; e para as Câmaras Municipais, 16%. Em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita nas eleições daquele ano. Atualmente, o Brasil ocupa a posição 144 entre 190 países em participação de mulheres na política, segundo ranking da União Interparlamentar (UIP).

Para aumentar ainda mais esta representatividade, é preciso – ainda – atuar para acabar com a cultura machista que tanto colabora para o quadro de violência contra as mulheres (física, sexual, doméstica e política também), eleger mais mulheres, incentivar sua maior participação nos partidos políticos e nos processos eleitorais, garantir os direitos já duramente conquistados e continuar legislando para ampliar esses direitos. Todo esse cenário aquece ainda mais o debate sobre as políticas de cotas e demais ações afirmativas de incentivo à eleição de mulheres e sua participação na política e nas esferas de poder, com mais destaque em anos eleitorais. 

  1. No ano passado, foi sancionada a Lei de Combate à Violência Política contra a Mulher no Exercício de Funções Públicas. Além dessa legislação, o que pode ser feito no Congresso para enfrentar a violência política de gênero?

Lídice da Mata – Esta é uma questão cultural, para além da atuação legislativa. Afinal, há apenas 90 anos conquistamos o direito ao voto e somente em 2021 foi aprovada uma lei específica de combate à violência política de gênero, que ainda precisa ser regulamentada e implantada efetivamente. A violência política de gênero é uma realidade. Infelizmente, toda semana é possível constatar pelo menos uma notícia sobre algum tipo de violência sofrida por parlamentares, prefeitas e, em períodos eleitorais, por candidatas.

A violência política contra a mulher precisa ser efetivamente combatida e, desta forma, a nova lei representou avanço. Mas é importante ressaltar que a questão da misoginia e do machismo é cultural e, nesse sentido, não apenas existe a violência política, mas, muito grave, persistem em indicadores alarmantes a violência doméstica, os crimes de feminicidio e atentados contra a mulher. Lembro que a solução para o combate à violência de gênero, em todos os níveis, precisa ser enfrentada e combatida para mudarmos essa cultura. A Lei Maria da Penha, de 2006, representou um marco na defesa da mulher e no combate à violência, sendo considerada mundialmente um marco referencial de política pública voltada às mulheres. Uma lei sozinha ou mesmo um conjunto de leis não resolve e não acaba totalmente com o problema da violência de gênero. Precisamos garantir a aplicabilidade da legislação em todo o País, o atendimento rápido e eficiente aos casos de qualquer tipo de violência e continuar atuando para mudar essa cultura na sociedade. 

  1. A legislação eleitoral prevê o percentual mínimo obrigatório de 30% para o registro de candidaturas femininas nas eleições. No entanto, muitas vezes as candidatas não recebem o apoio partidário para avançar nas eleições. Estamos em ano eleitoral. O que pode ser feito para mudar essa realidade?

Lídice da Mata – Segundo pesquisa divulgada em 2019 pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) o Brasil levará 59 anos para conquistar a plena igualdade entre homens e mulheres. Naquele ano, o Brasil estava na 92ª posição no ranking global da organização que pesquisa a paridade entre gêneros em 153 países. E, na América Latina, o Brasil tem, segundo o mesmo relatório, uma das maiores desigualdades de gênero, ocupando o 22º lugar entre 25 países da região.

Estamos atuando sempre para enfrentar este desafio. Eu mesma, por duas ocasiões, apresentei representações ao TSE sobre o tema. Em maio de 2020, o TSE deu parecer favorável à consulta feita por nosso mandato sobre a reserva de gênero de 30% para mulheres nas eleições para órgãos partidários. A consulta tomou por base se a cota de 30% para as eleições poderia também ser aplicada aos partidos. Em sua decisão, o TSE entendeu que sim, a reserva de candidaturas femininas deve ser estendida às disputas internas dos partidos e sugeriu ao Congresso formular legislação sobre o tema. Apresentei, então, um projeto de lei (PL 3540/2020), que teve coautoria dos deputados Rosana Valle (SP) e Vilson da Fetaemg (MG), ambos do PSB, e que determina que os órgãos de direção municipais, estaduais, distrital e nacional de cada partido político sejam compostos por no mínimo 30% de mulheres. O projeto está apensado ao PL 2436/2011, da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), e encontra-se aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara. Dois anos antes, em 2018, participei como senadora de outra consulta ao TSE sobre a questão das candidaturas femininas.  Além do nosso mandato, apresentaram a consulta as senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Ângela Portela (PDT-RR), Fátima Bezerra (PT-RN), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Kátia Abreu (PP-TO), Regina Sousa (PT-PI) e Rose de Freitas (PMDB-ES); e as deputadas federais Gorete Pereira (PR-CE), Jô Moraes (PCdoB-MG), Luana Costa (PSB-MA), Luciana Santos (PCdoB-PE), Raquel Muniz (PSD-MG) e Soraya Santos (PMDB-RJ). Acatando nossa consulta, o TSE determinou em maio daquele ano a fixação de patamar mínimo de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para candidatas e o Fundo foi implementado pela 1ª vez em 2018.

  1. Em sua opinião, de que forma as legendas devem se posicionar para de fato ter o compromisso com as candidaturas femininas?

Lídice da Mata – Ainda existe muita dificuldade de aceitação da figura feminina no espaço público, assim como uma resistência partidária masculina. As mulheres representam mais de 50% do eleitorado e da população brasileira. E a presença feminina tem crescido na política, ainda que devagar. Isso, numa sociedade machista e patriarcal incomoda, e muito. Avançamos. E ainda temos muito a avançar. Eu acredito que os partidos precisam incentivar cada vez mais o debate e a participação efetiva das mulheres na política. Ganham as mulheres, ganham os partidos e toda a sociedade. Isso pode e deve se dar não apenas nas eleições, mas nas próprias estruturas partidárias. Afinal, a inclusão de mulheres nas estruturas de poder passa, primeiramente, pelos próprios partidos, e se constitui em medida essencial e necessária no processo de empoderamento feminino, sendo um passo anterior e fundamental para que a política de inclusão de mulheres nas disputas eleitorais possa ser efetivamente concretizada.

  1. Além das mudanças legislativas, a senhora acredita que é preciso trabalhar em políticas públicas para mudar as desigualdades entre homens e mulheres nos espaços de poder? De que forma?

Lídice da Mata – Com certeza, é preciso acrescentar a garantia de participação e de atendimento às mulheres em quaisquer políticas públicas, afinal elas representam a maioria da população. E isso precisa se dar nas áreas política, da educação, de saúde, da cultura, da infraestrutura, enfim, em todas as áreas. A igualdade de gênero deve ser um valor difundido e ampliado para que se possam garantir mais conquistas sociais a todos e todas e a consolidação do processo democrático. 

  1. A senhora é exemplo de sucesso na política. Exerceu mandatos de deputada estadual, deputada federal, vereadora, prefeita e senadora. São anos de vida pública, sempre lutando pela igualdade de gênero. Que recado a senhora dá para mulheres que querem ingressar na vida pública? 

Lídice da Mata  – Sempre defendi com firmeza todas as bandeiras que acredito possam melhorar nossa sociedade e vamos continuar a denunciar, dar visibilidade às injustiças, preconceitos e violências. A pauta das mulheres, de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, dos negros, trabalhadores e direitos humanos como um todo, sempre foi presente em nossos mandatos e ações. Seguimos atuando na apresentação constante de propostas legislativas para combater a violência, o preconceito e o machismo.

No ano passado, por exemplo, projeto de nossa autoria foi transformado na Lei Mariana Ferrer, que obriga o juiz a zelar pela integridade das vítimas em audiências de instrução e julgamento sobre crimes contra a dignidade sexual, evitando o constrangimento e a revitimização. Esta e outras pautas integraram proposições do mandato, que visam combater as diversas formas de violência de gênero e garantir apoio às mulheres, tendo em vista que elas, além de maioria da população e do eleitorado, representam a chefia de metade dos lares brasileiros.