Por Tadeu Alencar
Acompanhei Eduardo Campos em todo o seu tempo de governo, horas contadas de relógio, entre janeiro de 2007 e abril de 2014. É tempo suficiente para colher impressões. A sua resolutividade era encantadora, pois dava um ritmo ao governo, poucas vezes visto. E fazia com que as coisas acontecessem, transformando ideias em ações, projetos em obras, sonho em realidade, numa velocidade inusitada. Havia, por trás, um monitoramento profissionalizado das ações, apoiado pelo Movimento Brasil Competitivo, que era um instrumental de relevo para fazer girar a máquina, de forma eficiente. Sozinho, porém, o instrumento não operaria milagres, não fora a determinação do Governador, à cabeceira da mesa, para enfrentar os problemas que afligiam Pernambuco e o seu povo. Era uma fome pelo fazer e fazer bem feito e fazer rápido que, ao final dos dois governos, viu-se que havia uma obra de fôlego. Não era obra de papel o que Eduardo Campos deixou. Além da clara diretriz política de onde queria chegar, o ter pressa, o nada deixar para o dia seguinte, o cobrar – muitas vezes, com energia – o cumprimento de prazos e metas, foi um ingrediente essencial para as transformações havidas no período e um cartão de visitas que o projetou para a disputa da Presidência da República. Pernambuco tinha pressa. Mais que o Nordeste, mais que o Brasil.
É que persiste – para com o País – uma mora crônica da cultura da indolência; e essa mora – tantas vezes impregnada na administração pública – é uma dívida impagável. Por isso ele apressava-se em tentar reduzir essa perniciosa cultura, que carrega traços do cargo público com que os amigos do Rei sempre são brindados, sem a obrigação natural do dever de servir à coletividade. Presenciei-o: ele militou, infatigavelmente, contra essa paralisia disfarçada, que ainda é uma marca do Brasil atual. São memoráveis as tardes de monitoramento, em que as equipes se esforçavam para apresentar resultados, pois sabiam que seriam duramente cobradas. E assim a roda ia girando. Essa resolutividade não era fato isolado, fazia parte de um estilo. Havia pouco tempo para se fazer as coisas. Por isso dava gosto ver como ele se envolvia tecnicamente nos assuntos, os mais variados, além de usar o telefone e audiências em Brasília para ir solvendo gargalos em órgãos públicos federais, ministérios, indo também aos tribunais, quando em jogo os interesses do Estado.
Executivos do serviço público ficavam espantados de como o próprio governador se dispunha a participar e interferir na construção de soluções. Ele saia irradiando simpatia, deixando um rastro de excelente impressão, abrindo portas. Para isso contava com a experiência adquirida e com um raciocínio limpo, claro, privado de entraves, concentrado no essencial das coisas. Detinha uma extraordinária capacidade de apreensão do sentido do vento e da tábua das marés, que é útil a quem governa, se não faltam também coragem e prudência, sem ser excessiva a prudência; não se ganha a vida se não se tiver também, além de inteligência, coragem e prudência, boa dose de ousadia, foco, determinação e intrepidez, pois a sina do bom combate reclama muitas virtudes. Ele reunia essas características. Era do tipo que não perdia tempo com caminhos erráticos. Economizava palavras gastas de sentido. Só na política, que ele sabia ser um jogo de espelhos, dava e pedia pista ao seu interlocutor, convicto de que cada um tem o tempero de sua predileção e gosta de desfrutá-lo. Assim, deixava que os aromas se espalhassem, fazendo com que cada um se sentisse em casa. Do fazer bem feito tive muitas demonstrações, o zelo com a coisa pública, com os equipamentos a serem usados pelos jovens, nas escolas. Uma vez em Araripina, numa inauguração de uma obra, foi percorrê-la e, detectando alguns defeitos no acabamento, indaga quem era o responsável e o interroga, assertivamente: “se fosse na sua casa, você permitiria esse defeito? Ao que o engenheiro, constrangido, respondeu: “- não”. E ele arremata, severo: “então não deixe assim na escola do povo, que ele também não aceita”. Era pedagógico e exemplar, no seu método de ir pregando um padrão de conduta para com a população que, em geral, sofre os descuidos de seculares abandonos. “Quando o general senta, a tropa deita “, dizia. Por isso era incansável, em jornadas de trabalho monumentais. Os guardas do palácio faziam chiste: “governador, deixe os pombos dormir”, diziam, brincando, dadas as poucas horas de sono que costumava desfrutar. Diz-se que os peixes dormem de olhos abertos porque não têm pálpebra. Eduardo Campos parecia não ter pálpebras, pois dormia de olho aberto, para enxergar em tempo integral, com o olho em tudo, cioso de que era detentor da confiança do povo e escolhido por ele para fiel depositário dos seus interesses. Às vezes eu o achava um velho, de tão experiente, na casca do alho passado, mas com o vigor da juventude que esbanjava. A ginástica que fazia às primeiras horas da manhã lhe azeitava o metabolismo e, o resto do dia, era uma cara limpa só. Nunca aparentava cansaço. Mas quem lhe acompanhava, comia o pão que o diabo amassou, pois parecia ter uma bateria de lítio, ou de compromisso – que revigora -, ou de responsabilidade – que liberta. Já vivera antes, dramática crise fiscal no Estado. Afirmava, com ênfase, que isso não voltaria a viver. Era um mantra. Com isso, afirmava a ideia que deve ser uma diretriz permanente: as contas públicas, para cumprirem a sua missão, precisam estar em ordem. E a partir daí buscarem meios de melhorar a vida da população. Responsabilidade fiscal, inclusão social, foram avanços importantes; mas chegara o tempo, dizia, “do Estado funcionar a favor de políticas públicas que ofertem igualdade de oportunidades”, para que essa igualdade seja emancipatória para milhões de brasileiros. Essa era a síntese do seu pensamento. “Os governos são analógicos, enquanto a sociedade é digital”. Cedo compreendeu a importância de se diminuir essa distância, para reconquistar a confiança perdida. Por isso era tão atento a novidades para que a gestão, a escola, pudessem dialogar com o povo e atrai-lo. Achava que quando o filho do rico e do pobre estudassem na mesma escola, seria um tempo de abundância e de paz social. Além de tudo exercia a governança com a sabedoria de quem encontra a felicidade no trabalho. Gostava de gente. Dizia que alguns criam animais, bois, cavalos, ele gostava de criar gente. Por isso tivera tantos filhos. Com a suspeição da amizade, que é sempre tendenciosa, registro que foi um privilégio acompanhar o tempo de maturação do líder. “Nada tão poderoso como uma ideia que chegou no tempo certo”. Ele chegou no tempo certo, embora tenha se recolhido em hora imprópria. O líder feito na forja da luta, moldado nos desafios, curtido nas experiências que constituíram a tessitura do seu caráter. Anos de barrica de carvalho, os de governo. O seu legado são safras especiais que precisamos continuar a perseguir, preservando e ampliando, levando muito adiante o que se conquistou. Eduardo Campos era um esteta do cotidiano. Tinha sensibilidade e faro. Podia ser um perdigueiro a serviço de caçar lebres, mas resolveu ser um farejador de sonhos, os quais buscava realizar com tenaz perseverança. Era humano, sensível, fez da política a sua casa. E manteve a casa cheia, até partir inesperadamente. No seu aniversário de 55 anos e no aniversário de 6 anos de sua trágica partida, deixo aqui o meu testemunho, que procurei cobrir de isenção, mas, principalmente, o registro de uma saudade que será sempre do futuro, como ele sempre pregou.