A Câmara dos Deputados realizou nesta segunda-feira (3), mais uma reunião do ciclo de debates públicos virtuais sobre a Lei de Combate às Fake News, desta vez com a mesa intitulada “Como enfrentar o financiamento público e privado da desinformação?”. A mesa, mediada pela relatora da CPMI das Fake News, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), discutiu quais mecanismos são necessários para identificar o financiamento de condutas maliciosas e canais de desinformação nas redes sociais. O ciclo de debates proposto na Câmara trata do Projeto de Lei nº 2630/20, já aprovado no Senado e que tramita na Casa, relacionado ao combate às notícias falsas.
Logo no início do debate, Lídice falou da importância da temática e destacou os acontecimentos da última semana relacionados ao inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes pediu o bloqueio de contas do twitter e do facebook de apoiadores do presidente Bolsonaro que, segundo ele, continham discurso de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional. No início de julho, o facebook já tinha desativado uma rede de desinformação vinculada ao PSL e a funcionários do gabinete de Bolsonaro, a partir de investigação feita pela própria plataforma. “Foram detectados comportamentos inautênticos nas redes. E estamos falando de financiamento que em determinado momento passa a ter caráter de financiamento público, uma vez que conta com funcionários lotados em gabinetes no Executivo e Legislativo”, disse Lídice. A parlamentar avaliou que agora é momento de debater opções viáveis para o projeto de lei para se chegar a um ponto comum.
“Temos que pensar em medidas que de fato vão intervir nas ações que vemos hoje de disseminação de informações falsas e assassinato de reputações.”
A jornalista e cofundadora do projeto Redes Cordiais, Alana Rizzo disse durante a reunião que não existe uma bala de prata contra as fake news, uma só solução, mas um combinação de medidas que envolvem necessariamente o Estado, a iniciativa privada e a sociedade. “Não tem como fugir dessa tríade. O Estado precisa investigar e asfixiar financeiramente as redes de desinformação, além de cobrar mais transparência das plataformas, quanto mais dados disponíveis, mais fácil avançar nas investigações. A sociedade precisa compreender o quão complexo é o sistema da desinformação”, explicou. A jornalista apresentou dados alarmantes de uma pesquisa que mostra que durante a pandemia, 20% do conteúdo falso foi espalhado por políticos ou celebridades, o que significa 69% do engajamento nas redes.
Para Carlos Eduardo Sobral delegado da Polícia Federal especializado em crime cibernético, o assunto é grave, complexo e polêmico. De acordo com policial, a ofensa na internet causa danos profundos na vida da pessoa e de seus familiares. “E estamos falando de uma violência como forma de monetização, seja política ou econômica. Temos que falar em educação para fazer bom uso das redes, para que cada pessoa não seja vetor de distribuição. É prevenção e ação e a plataforma precisa ajudar nesse processo. Não falo em responsabilização das plataformas, mas responsabilidade. Temos que jogar luz para identificar se estamos lidando com uma rede, se é estruturada e quem patrocina. Descobrir o topo da pirâmide de estrutura criminosa. É preciso rastrear o recurso para ver quem financia e desarticular em profundidade.” Segundo o delegado, é preciso saber quem financia sem conhecimento e quem financia querendo o resultado. “Temos que montar o quebra cabeça da rede sem que isso represente a violação da liberdade, da privacidade e da intimidade.
O advogado Marcelo Crespo, especialista em Direito Digital, concorda que o caminho estratégico é pensar em atacar quem produz, financia e dissemina as fake news. “Só que precisamos que as leis sejam de fato aplicadas, seja criando uma nova, seja aplicando leis que já existem. O Parlamento, ao invés de criar novos mecanismos que aumentem o vigilantismo, pode aumentar a fiscalização do que já temos como legislação”, disse.
Cada um desses crimes realizados nas redes tem baixo potencial ofensivo, segundo Ronaldo Lemos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, “mas os vários pequenos crimes resultam em desinformação massiva e ataca um bem jurídico valioso que é a proteção à democracia e às instituições”. Para Ronaldo, o projeto de lei em tramitação na Câmara deve criar um tipo penal com punição de mais de cinco anos de reclusão e que trate não somente da questão do conteúdo, mas da questão do método, bem como combater a raiz do problema, saber quem são os mandantes e quem são os mandados.
Já para o diretor do InternetLab, Francisco Cruz, o direito penal deve ser a última medida e aplicado apenas em casos mais graves. O coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional e de Litígio Estratégico da Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio disse que é preciso afastar a armadilha de legislar apenas pensando no aspecto penal e lidar com o papel do Poder Público na garantia dos direitos e fundamentais. “Cabe, entre outras coisas, que o Poder Público crie uma estrutura de governança para lidar com o ambiente econômico desse processo que envolve atores privados”, reforçou.
Andrea Leal